Em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ação penal a que responde pela trama golpista, o ex-presidente Jair Bolsonaro negou, nesta terça-feira, seu envolvimento com uma tentativa de golpe de Estado e afirmou que “não havia clima” nem “margem sólida” para ações do tipo após sua derrota nas eleições de 2022.
Durante duas horas de questionamentos, Bolsonaro pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por críticas e ofensas proferidas pelo ex-presidente em uma reunião ministerial em 5 julho de 2022. Moraes é o relator do caso e é visto pelo bolsonarismo como adversário.
Bolsonaro disse ainda que nunca endossou uma minuta que previa golpe de Estado e que não teria visto o documento, apenas “considerandos”. Ele negou ter debatido a prisão de autoridades e justificou a ausência na cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que evitaria “a maior vaia da história do Brasil”. Também reiterou críticas ao sistema eleitoral, afirmando ter “dúvidas” sobre o sistema das urnas eletrônicas. Moraes rebateu dizendo que “não há nenhuma dúvida” quanto à confiabilidade das urnas.
Após ouvir o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) interrogou, na tarde da terça-feira (10/6), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O ministro Alexandre de Moraes, do STF, conduziu o interrogatório, que durou pouco mais de 3 horas e acabou um pouco antes das 17h.
Durante seu interrogatório, Bolsonaro respondeu questões de Alexandre de Moraes que de fato discutiu com auxiliares a possibilidade de decretar Estado de Sítio após a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Segundo o ex-presidente, porém, as medidas foram descartadas e que não havia “clima”, “oportunidade” ou “base minimamente sólida” para uma tentativa de golpe no país.
Bolsonaro também afirmou que os atos de depredação ao Palácio do Planalto, ao Congresso e à sede do STF não constituíam uma tentativa de golpe porque “não havia liderança” e os envolvidos eram “pobres coitados”.
“Eu fico até arrepiado quando se fala que o 8 de janeiro foi um golpe. Mil e quinhentas pessoas, pobres coitados, que até foi levantado por um dos que me antecederam agora há pouco, sem ônibus chegaram na região do setor militar urbano na madrugada de domingo, e o pessoal foi embora logo depois da baderna, e sobrou para quem estava acampado aqui. Quem realmente fez, foi embora. Aquilo não é golpe, não foi encontrada uma arma de fogo junto àquelas pessoas”, disse o ex-presidente.
O depoimento teve momentos descontraídos, assim como ocorreu com outros réus. O ex-presidente fez uma brincadeira e convidou Alexandre de Moraes para ser seu candidato a vice em 2026, arrancando risos da plateia e do próprio ministro do STF. Moraes respondeu objetivamente: “Declino”.
Desculpas
O ex-presidente Bolsonaro pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes e outros integrantes do STF por críticas e ofensas dirigidas a eles durante a reunião ministerial de 5 de julho de 2022. Bolsonaro foi questionado por Moraes sobre declarações do ex-presidente de que ele e os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, também integrantes da Corte, teriam recebido “milhões de dólares” para defender urnas eletrônicas. “Não tenho indício nenhum. Era uma reunião para não ser gravada. Então, me desculpe, não tive intenção de acusar de desvio de conduta contra os três”, disse Bolsonaro.
Bolsonaro negou que tenha tido acesso a uma minuta golpista, embora tenha admitido que se discutiu com auxiliares o que chama de “considerandos” sobre ações que poderiam ser tomadas após a sua derrota na eleição de 2022 depois que o PL foi multado em R$ 22,9 milhões por ligitância de má-fé por pedir apuração extraordinária dos votos.
O ex-presidente negou ter recebido o documento do seu assessor Filipe Martins e tê-lo enxugado. Bolsonaro também relatou que “foram discutidas hipóteses de dispositivos constitucionais” e que “rapidamente foi decidido que nada se poderia fazer”.
Críticas
Questionado por Moraes, Bolsonaro disse que recebeu do então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira o relatório das Forças Armadas, que conclui que não havia vulnerabilidades no sistema das urnas eletrônicas brasileiras, e que “a partir do momento em que não se tem prova de nada, a gente acredita (no relatório)”.
Apesar disso, o ex-presidente levantou dúvidas sobre o sistema eleitoral. As urnas eletrônicas são usadas no país desde 1996, sem que nunca tenha havido a comprovação de fraudes.
O ex-presidente afirmou a Moraes que não passou a faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) porque corria o risco de receber “a maior vaia da história do Brasil”.
“Não havia da nossa parte uma gana, mesmo que nós encontrássemos algo na Constituição, o sentimento de todo mundo é que não tinha nada o que fazer, e nós precisávamos entubar— disse Bolsonaro, referindo-se a aceitar o resultado eleitoral de 2022.
Outros pontos
Bolsonaro também citou realizações de seu governo, dando um tom político. Falou sobre obras e sobre a carreira política, iniciada há décadas, como vereador no Rio de Janeiro. O ex-presidente voltou a falar que sempre agiu “dentro das quatro linhas da Constituição” durante seu governo, tema recorrente em seus discursos.
Depois das perguntas de Alexandre de Moraes, Bolsonaro passou a ser questionado pelo ministro Luiz Fux, que também faz parte da Primeira Turma. A Fux o ex-presidente negou que tenha recebido voz de prisão de algum militar.
Depois, Bolsonaro passou a responder ao procurador-geral da República, Paulo Gonet. O procurador citou a questão de queda na popularidade com o possível aumento das críticas às urnas eletrônicas por parte de Bolsonaro. O ex-presidente afirma que os questionamentos ao sistema eletrônico começaram antes, com o ex-governador Leonel Brizola (já falecido) e com Flávio Dino.
Bolsonaro diz a Gonet que não fez qualquer movimento ou incentivou um levante da população para contestar o resultado das eleições. Ele, inclusive, chamou os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 de “baderna”. Gonet quis saber de Bolsonaro se um movimento para anular eleições e prender autoridades pode ser entendido como “agir dentro das quatro linhas da Constituição”. O ex-presidente disse que nunca houve pontapé inicial de uma tentativa de golpe. Diz que apenas foram “hipóteses” debatidas, inclusive com comandantes das Forças Armadas.Bolsonaro ressaltou que as conversas nesse sentido, com comandantes militares, foram mais no sentido de “desabafo”.
Tribuna do Norte