Imagine uma consulta que começa com uma história criada a partir de uma imagem alegre. Agora, pense que, por meio dessa narrativa, seja possível prever o risco de alguém desenvolver depressão, ansiedade ou psicose. Essa é a proposta de um estudo brasileiro liderado pela neurocientista Natalia Mota, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que usou inteligência artificial para analisar a forma de expressão verbal de jovens com risco de transtornos mentais.
A pesquisa acompanhou 4.501 pessoas entre 18 e 35 anos em São Paulo. Após uma triagem, 71 participantes com dados completos foram divididos em dois grupos: 42 com risco clínico e 29 no grupo de controle. Dois anos e meio depois, 23 dos que estavam em risco desenvolveram depressão ou ansiedade, quatro evoluíram para psicose, e 15 não apresentaram sintomas.
Durante o estudo, todos os participantes contaram histórias baseadas em três imagens positivas, em uma atividade chamada “Happy Thoughts”. As narrativas foram analisadas por algoritmos que criam mapas de palavras, focando não no conteúdo, mas na forma como a fala é estruturada. Discursos com vocabulário variado e conexões diversas indicam maior saúde mental; já padrões repetitivos e previsíveis podem sinalizar risco de transtornos, segundo a pesquisa.
O estudo mostrou que os jovens que não desenvolveram transtornos — o grupo chamado de “remitido” — apresentaram narrativas mais ricas e variadas, com maior conexão entre palavras. Já aqueles que evoluíram para quadros de depressão ou ansiedade tinham falas mais repetitivas e previsíveis.
Além da estrutura das narrativas, os pesquisadores analisaram o conteúdo emocional das palavras. Mesmo ao descrever imagens positivas, os participantes que mais tarde foram diagnosticados com transtornos usaram com frequência termos ligados a tristeza, medo ou raiva — um possível sinal precoce de sofrimento psíquico. A análise da fala foi feita por meio de uma métrica chamada LSCz (Largest Strongly Connected Component z-score), que mede o grau de conexão entre palavras em uma narrativa, comparando com versões embaralhadas do mesmo discurso. Quanto mais alto o LSCz, mais estruturada — e menos aleatória — é a fala, o que pode indicar ruminação ou pensamentos fixos, comuns em transtornos mentais.
O estudo também identificou uma ligação entre menor escolaridade e maior gravidade dos sintomas, o que reforça a conexão entre linguagem, cognição e vulnerabilidade emocional.
Fonte: Tribuna do Norte