Uma experiência pessoal, movida pela busca por soluções mais humanas e eficazes, deu origem a uma iniciativa que hoje impacta profissionais e famílias em todo o Brasil. A startup potiguar WAYABA, fundada em Natal, desenvolveu uma plataforma digital que automatiza o registro e o acompanhamento terapêutico de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). A solução alia tecnologia, ciência e empatia, promovendo mais eficiência na rotina dos profissionais e mais visibilidade para os familiares sobre o desenvolvimento dos pequenos.
“A motivação surgiu a partir do desafio de acompanhar o desenvolvimento do meu filho autista, de forma mais clara e organizada. Nós, pais, muitas vezes ficamos sem acesso aos dados e relatórios gerados nas terapias”, explica Assis Barbosa, fundador e CEO da WAYABA. Com base nessa vivência pessoal, ele decidiu unir sua experiência profissional na área de tecnologia à Análise do Comportamento Aplicada (ABA) para criar uma ferramenta que atendesse tanto terapeutas quanto famílias.
A lacuna entre diagnóstico e atendimento é agravada pela escassez de profissionais capacitados, pela alta rotatividade de equipes terapêuticas e pela falta de padronização dos registros clínicos, sobretudo em contextos fora das grandes capitais. Nesse cenário, a WAYABA surge como uma resposta tecnológica acessível e escalável, especialmente útil para regiões que desejam ampliar a qualidade da assistência sem depender exclusivamente de estruturas físicas complexas.
Dados do Censo 2022 reforçam a urgência de soluções como essa: no Rio Grande do Norte, estima-se que 1,1% da população tenha algum transtorno do espectro autista — o que corresponde a cerca de 37 mil pessoas no Estado. Esse número revela um desafio concreto para o sistema de saúde e educação, que historicamente enfrenta dificuldades para oferecer acompanhamento especializado e continuado a essa parcela da população.
A plataforma criada por Assis passou por um intenso processo de validação e desenvolvimento. O resultado foi uma solução robusta, com três módulos integrados: um sistema web para profissionais, um aplicativo móvel usado durante os atendimentos clínicos e um app voltado às famílias, que podem acompanhar, em tempo real, o progresso da criança, as atividades desenvolvidas e os registros dos profissionais.
A proposta da WAYABA é transformar processos muitas vezes manuais e descentralizados em fluxos organizados, digitalizados e com padronização científica. Isso significa não apenas mais produtividade, mas também mais consistência e qualidade no acompanhamento clínico. Segundo Assis, o sistema também reduz o retrabalho, facilita auditorias, melhora a comunicação entre profissionais e traz mais segurança para os dados sensíveis.
Demanda do setor
“Foi como tirar uma venda dos nossos olhos”, diz Dra. Liz Mota, analista do comportamento supervisora do Casulo Desenvolvimento Infantojuvenil, e uma das primeiras profissionais a adotar a plataforma no Estado. Com experiência na área e atuação clínica diária com crianças diagnosticadas com TEA, Liz relata que a chegada da ferramenta revolucionou sua rotina profissional. “Antes, utilizávamos planilhas desconexas, registros manuais, arquivos em papel ou digitalizados de forma desorganizada. Era difícil sistematizar os dados, acompanhar a evolução das crianças de maneira clara e manter tudo padronizado conforme as diretrizes da análise do comportamento.”
Com o uso da plataforma, ela aponta que houve avanços concretos na organização das intervenções, no registro das metas terapêuticas e na comunicação com os pais e responsáveis. “A plataforma permite gerar gráficos automaticamente, compartilhar registros com a equipe e manter um histórico detalhado do desenvolvimento de cada criança. Isso é essencial para garantir um atendimento de qualidade, com base em evidências e sem sobrecarregar o terapeuta com tarefas burocráticas”, afirma. Liz também destaca que a ferramenta oferece suporte técnico constante, treinamentos e atualização contínua, elementos que reforçam o vínculo entre ciência, tecnologia e prática clínica.
A startup potiguar vem se destacando no cenário nacional. Atualmente, mais de 8 mil profissionais e cerca de 400 clínicas utilizam a plataforma em diversas regiões do país. Um dos marcos importantes foi a participação da WAYABA no programa Startup Nordeste, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que ofereceu mentoria, capacitação e conexões com investidores. Ao final do programa, a startup registrou um crescimento de 127% no faturamento, além de conquistar maior visibilidade nacional.
Cenário favorável
De forma mais ampla, Eugênio Spíndola, analista de inovação do Sebrae-RN, destaca que o ecossistema potiguar de startups tem evoluído e ganhado espaço no cenário nacional. “Há uma consolidação de comunidades de inovação e talentos locais que demonstram grande potencial”, afirma. Segundo ele, o Sebrae atua como articulador, promovendo conexões entre empreendedores, universidades, investidores e outros atores do ecossistema.
Eugênio ressalta ainda que o Sebrae tem apostado em soluções que combinam tecnologia e impacto social, com destaque para iniciativas nas áreas de educação, saúde e sustentabilidade. “Nosso papel é articular, dar suporte e ajudar essas ideias a se tornarem modelos de negócio sustentáveis e escaláveis”, explica.
Para o fundador da WAYABA, o momento é de ampliar horizontes. “Queremos integrar nossa plataforma a escolas, centros de saúde e redes públicas. Nosso sonho é que toda criança com TEA no Brasil tenha acesso a um acompanhamento de qualidade, mediado pela tecnologia”, diz Assis. Entre os planos estão a internacionalização da solução e a inclusão de módulos voltados à formação profissional e ao uso educacional da plataforma.
Em tempos de desigualdades estruturais e carência de políticas públicas eficazes para pessoas com deficiência, soluções como a WAYABA mostram que o setor de inovação pode — e deve — assumir um papel de liderança na promoção da inclusão. Ao combinar empatia com tecnologia, e propósito com sustentabilidade, a startup potiguar representa o que há de mais forte no ecossistema nordestino: a capacidade de transformar vidas, com inovação enraizada na realidade local e de olhos voltados para o mundo.
Fonte: Agora RN